domingo, 4 de outubro de 2009

Silêncio



É assim que me dizem. És um tedioso. Como morte. Peço a morte antes de falar contigo. Assim me dizem. Talvez horas e horas de me ouvir falar seja uma tortura. Escrever... quase suportável. É, me preferem ouvindo. Cansar. Pesar. Preencher. Pode esquecer. O quê? Isso. Esqueça que eu existo. O que eu poderia ter dito.

Deixe
-me de lado, forget me. Yell, scream, shout. Por dentro, isso me digo. Corre, por todo caminho. Descaminho. Isso, no silêncio. Tudo isso poderia ser ouvido... Se o quisesses. Alguém nessa sala? Mal me vêem. Transparente... Vi, vejo, ouço. Ele parece mais visível, mais aprazível. Quem te deseja, verme? Maybe... O que mais te cansa? Tua voz, tua vez. Retira a senha. Volta-te para ti o torno. Fala. Deixa. Escuta. Melhor fazes. Esqueço e me esvaio de mim. Domino-me assim.

Canso-me de mim. Adrenalino-me? Botoxotoe-me? Nimbolóite-me/Chitui-me/Dsoiolehumi-me? Pouco importa o que diga. Ninguém ouvirá. Esse meu silêncio me apraz. Me compraz. Me satisfaz. Talvez mais a ele. Ao outro.


sexta-feira, 2 de outubro de 2009

(des) Manchado



Sério. Sisudo. Em direção a Camaragibe. O sol escaldante das oito horas. Derretia. Talvez deixasse sua expressão ainda mais estranha. O branco da fronte, o vermelho do sorriso. Tudo no seu rosto se desmanchava. Uma possivel expressão alegre. Nada surgia. Fone no ouvido. Subiu sem nada falar. Nem tentou expressar. Pensei que pediria dinheiro. Campanha, talvez. Nada. Parecia infeliz.

- Olha, mãe, o palhaço. - ouviu da criança próxima à catraca.

Não sorriu. Nem bocejava. Infelicidade. É. Como alguém que vende felicidade pode estar assim? (pensam os otimistas) Todos nós não prometemos isso? Felicidade. A nós mesmos. Aos outros.

- Vou te amar pra sempre - ouviu no mp3.

- Até parece. - pensou

Desci pouco depois. Ele continunou até chegar à estação. Ia pra casa? Ia pro parque? Conjetura. Propõe. Imagina o pensador. Mas somente aquele palhaço anônimo pode dizer o que sentia. Talvez nem conseguisse dizer. Tudo o que sua máscara demonstrava se desfazia. Sentia seu oposto. Fazia seu contrário. Queria gritar, esmurrar, apontar. Atirar, enfim. Atirar sua vida longe. Explodia algum rosto. Pra não precisar olhar ou expressar algo.

Morreu naquele mesmo dia?

Simplesmente retocou o vermelho pra seguir em frente.


quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Primeira



And she has broken the glass
. Era assim que o Times podia ter noticiado o fato. Mas não podia. Proibido. Quem podia questionar ou dizer o contrário? Não, não pense em totalitários. Só gostavam demais de suas criaturas. Eles fizeram sua prole se perder em si mesma, desconhecer as possibilidades que LáFora trazia. Ela, como todos os outros, convivia com aquela parede, mesmo transparente. Nasceu e acompanhou seu brilho por quase três décadas. Os números talvez não lhe importem tanto. Ela os desconhece, assim como qualquer sinal, letra ou ponto. Cobaia da irracionalidade.

Grunhidos. Era o que alguém poderia ouvir naquele instante. Se existisse alguém para lhe ouvir. As suas mãos furiosas tentavam, sem sucesso, cavar e cavar. Não tinha vaidade. Sujava-se toda. Seu único objetivo: ir. Os paus e pedras de nada adiantavam. Quebraram. Ela não conseguia. Nem seu choro era facilmente suportável. Ou talvez principalmente ele. Como um martelo trovejante. Assim eram suas dores de cabeça. Não por doença ou abalos sísmicos mentais. Mas pela expansão de seu universo. Ao ver seu reflexo translúcido na parede, ela percebeu que havia muito mais em LáFora.

Desse jeito, os homens viram que um único ser gostaria de sair do lugar, por mais seguro que parecesse. Não podiam deixar que acontecesse com nenhum outro. Não podiam deixar que ninguém soubesse. Toda e qualquer midia estava exclusa do lugar. Todos voltaram à barbárie. Quem era ela? A primeira. A tentar chegar à alguma civilização. Morreu. Não pelas mãos daqueles que queriam estabelecer a ordem. Mas pela infintude de possibilidades que a vida lhe oferecia. Quando o percebeu, signou-se de felicidade... ou de angústia, por perceber que nada do que havia vivido era verdade.

Os pêlos que cercavam seu corpo se eriçavam em todo tempo que pensava. Seus urros não ultrapassavam a grossura do vidro. Ninguém a ouviria. Nem os golpes que desferiu na tentativa de liberdade. Sufocada pela própria pretensão de ser...


terça-feira, 21 de julho de 2009

Um homem, um amigo e uma magrela



Era um dia como qualquer outro pós-chuva. E Mr Dalloway achou que deveria ter adiado mais um pouco a empreitada. Sempre procurava um jeito de adiar grandes desafios. Não gostava de admitir, mas era assim. Fazer o quê? Foi com ele o aventureiro Sawyer - nenhuma referência para os
Losteiros, ok? -, que lhe empurrou diversas vezes pelo campo barrento pra rodar. Era a primeira vez que experimentava a magrela. Dalloway já tinha falado que Sawyer devia ter lhe ensinado desde a semana passada. Repetiu de novo e mais uma vez. Sawyer relutava em ver seu amigo cair. Segurava firmemente nas suas tentativas de empurrar.

Aquele dia tinha reservado um monte de poças d'água. Será que daria pra encarar o primeiro dia com a magrela naquelas poças?

Ela não se incomoda, disse Sawyer, sorrindo com um lado só.

Eu ligo, foi a vez do sorriso de Dalloway.

Mas andar com ela na areia é mais difícil, engancha mais.

Então, quer dizer que, se eu conseguir na areia, vou ser mais profissa do que quem anda no asfalto?

Não chega a tanto. Nem se empolga. É o teu primeiro dia, Dalloway.

Bom, ele sentou no selim e segurou o guidom como se fosse um bote salva-vidas.

Calma, calma, não com tanta força. Ela é uma
lady. É com carinho que se faz isso, tá entendendo?

Na auto-escola foi mais fácil. Nem precisa pensar em equilíbrio.

Dalloway começou. O vento. Equilíbrio. As rodas tremem. Equilíbrio. Esquer... Não, direita.
Easy, boy, easy.

Conseguindo, conseguindo. Vá, minha linda, vá. Pronto, menos, menos. Mais devagar. Mais devagar. Des, des, desesquilíbrio. Aaaahhhh!!! Não, não caí ainda. Feliz, feliz. Tira os pés dos pedais. Isso. Uhuuuu!! Por que nunca me enxerguei aqui antes? É! É! Desperdiício, desequilíbrio total.

A terra molhada. A poça. Segundos depois, a magrela mergulhou, levando Mr Dalloway nas costas. Engoliu barro. A brancura da roupa sumiu. Sawyer se segurou pra não rir. Não queria desistimular o colega. Andou até ele, pensando se havia se machucado. Chegou. Achou. O sorriso mais largo que poderia encontrar no rosto de Dalloway. A risada mais enérgica da face da Terra apareceu ali. Sawyer compartilhou da felicidade do homem. Um homem que ainda não tinha experimentado o prazer de cair na lama, depois de umas rodadas de
bike.

Sawyer olhou para ele. E para si. Estava feliz, por ter dado ao amigo um momento como aquele.


Escrevi esse texto depois de minha experiência de andar pela primeira vez de bicicleta. Nunca é tarde pra experimentar certas coisas. Um amigo me proporcionou isso. Eternamente grato.


quinta-feira, 4 de junho de 2009

Mr Dudelloway



Mr. Dalloway teve sua primeira aula. Pelo menos, é o que ele gostaria de acreditar. Parecia tão difícil que ele preferia se dizer um eterno novato. Sim, foi naquele campo aberto. Do lado, jogadores futeboleiam. Todos os dudes. Desenrolados como eles. Trocaram de lugar, ele e o instrutor. Este estava pronto pra pisar no freio assim que ele fizesse alguma besteira. Seria registrado. Pra sempre na risada daquele senhor gordo, com um bigode grande, um leão-marinho. A risada dos dudes.

Mr Dalloway: "Não faço parte disso aqui. Nunca me ensinaram. Meu pai devia ter me posto no colo e guiado minhas mãos naquela roda gigante".

Vá. Fundo na embreagem. Você se sente realmente um dude assim. Domina as rodas, tudo. Mas o freio vem logo do lado, tirando toda a diversão. Não fique assim, Mr. Dalloway.

Mr. Dalloway: "Como não? Um gentlemen seria capaz de chegar aos quarenta sem esse aprendizado tão útil? Como pude passar tanto tempo sem me sentir um dude?"

Pois é. De que tantos livros te serviram neste momento? Nada. Sua dissertação? O Simpósio sobre Psicanálise Jungiana na Oxford? Bem, seria capaz para tentar refletir suas respostas emocionais a esse momento. Mas está longe do que esses dudes admiram. O desenrolar. Ver os dois cones no retrovisor direito e os dois do esquerdo e saber desenroscar quando vira demais. Estancou? Problema. Reteste. Mais trinta conto. Derrubou um cavalete? Dois? Baliza não se erra, meu filho! Quer prestar atenção no que ele diz? Volante todo na direita, depois todo na esquerda. Sei, sei. Ele devia tá no carro pra te freiar, mas não tava. Instrutor que deixa aluno só tá pedindo pro cara ir s'imbora tentar. Mas, mesmo assim... Não tem nada que mude o que você fez, Mr. Nenhum daqueles futeboleiros faria isso. Olharam e continuarão olhando ainda por uns minutos. Na certa, o leão-marinho já sabe da tua obra-prima.

Mr. Dalloway: "Se eu tivesse feito tudo certo, ninguém comentava. (silêncio) Será que é isso mesmo que define um homem? Existe um medidor pra isso, não é?"

Dizem que é proporcional ao nível de cicatrizes que se tem. De quantos cachorros se correu. Acumule horas com as pipas - não vale ventilador, nem sacola de mercado, capice? Bicicleta? Como assim, não sabe? Vai t'imbora resgatar tua infância, rapá. No último galho, ainda tem uma carambola - esperando a hora de certa de quebrar e te jogar no chão.

Pra você poder dizer, já fui menino e, agora, dude.

Começa tudo de novo e ai de você se estancar na rampa.


A inspiração veio dos meus tormentos nas aulas práticas da autoescola, quando penei pra aprender certas coisas e pude perceber que certos ensimamentos que a escola não traz fazem falta.


terça-feira, 12 de maio de 2009

Adulto senta no chão?



Olhos cutucam a perna de Adulto, que observa, surpreso, aqueles olhos grandes e curiosos.

Olhos: Moço, o que o sr tá fazendo?

Adulto: (seco) Na fila.

Olhos: Ahh.. Como eu?

Adulto: Bom, você tá com sua mãe. Eu tô sozinho. (pausa) Há três horas.

Olhos, calmamente, começa a mexer num copo descartável no chão. Adulto começa a olhar pra ela, paciente.

Adulto: (quase sussurrando) Cansada?

Olhos, sem olhar pra cima, balança a cabeça.

Silêncio.

Olhos: O Moço acha engraçado esse monte de pezinhos?

Adulto: (pausa, sorri) É você quem olha as coisas de baixo.

Olhos: O sr não quer não?

Adulto fica em silêncio, levanta a cabeça e olha para os lados. Deixa de olhar para a menina.

Olhos: Por que não senta, moço?

Silêncio.

Olhos: O sr acha estranho adulto sentar no chão?

Silêncio.

Olhos: Taí uma coisa que eu nunca vejo... Gente grande no chão.

Olhos tira seu lápis de cor do bolso do macacão e começa a escrever. Adulto a observa. Termina.
Adulto sorri.

Atendente: Próximo!

Adulto não ouve.

Adulto: (lendo baixo, para si mesmo) "Aline esteve aqui..."

Adulto ainda observa a menina. Aline olha para ele. Quando seus olhares se cruzam, sorriem.

Atendente: Próximo!

Aline volta a escrever, feliz.

Adulto: (a Atendente) Sou eu.

Adulto segue feliz para o caixa, sorrindo ao ler de "Moço também."




Escrevi esse texto, acreditem ou não, na fila de desbloqueio do VEM no Expresso Cidadão do Cordeiro, passando quase três horas esperando. O tempo tinha de passar de algum jeito, né?


terça-feira, 14 de abril de 2009

Passagem



Cima: Por que você tá assim?

Ela: Eu.. eu queria alguém pra estar comigo.

Cima: Hmmm... Eu posso?

Ela: Você não consegue. Eu não sinto.

Cima: Por quê?

Ela: Sei lá.. Acho que você não é como eu.

Cima: Você é como?

Ela: Eu sou toda pensamentos, emoções. Humana.

Cima: E eu?

Ela: Você tá do lado de fora... da minha cabeça. Não entende.

Cima: E como eu posso te tocar?

Silêncio.

Cima: Será que você me colocar aí dentro?

Ela: E você consegue?

Cima: Bom, se você pensar em forte em mim, acho que consigo.

Ela: Tá certo. Vou apertar bem forte os olhos.

Cima: Mas eu queria saber... (hesita)

Ela: O quê?

Cima: O que fizeram com você?

Ela: Não fizeram... (pausa) Não fazem. Ninguém está comigo. Me olham como se quisessem me ter ao lado...

Cima: Mas não estar com você. (pausa) Não é?

Ela: Você vai ficar comigo?

Cima: Todo o tempo.

Ela: E como eu te chamo?

Cima: Fecha os olhos e pensa em mim.

Silêncio.

Ela: Obrigado... Deus.

Ela fecha os olhos. As luzes se apagam lentamente


sábado, 11 de abril de 2009

Mr. Dalloway



A inspiração veio justamente de um momento "Amélia" que venho passando nas últimas semanas: minha mãe não tem conseguido fazer os afazeres domésticos, o que tem obrigado meu pai e meus irmãos a nos virarmos com tudo. Me imaginei gostando disso tudo. E não é que funcionou?




Mr. Dalloway disse que ele mesmo iria lavar sua roupa hoje. Sua esposa ainda estava meio indisposta depois de sua última tentativa de suicídio. Claro que precisava de descanso, ora essa. Bom, seria algo interessante começar pela roupa. Essa inimiga. Mas por que tinha de ser assim? Ora, não é todo dia que um homem resolve lavar sua roupa. Estamos nesse século ainda, rapaz. A Grande Depressão não passava de um muxoxo e Hitler ainda estava de buço. Bom, Guilhermina não deve achar isso tão ruim... Por que fui deixar ela de folga justo hoje?

Bom, seus sobretudos, camisas de malha e sociais, meias e ceroulas agradeceriam por sua boa vontade. Talvez não tanto pelo resultado. Seria pedir muito pra um novato usar amaciante? Que é isso... Dêem uma chance ao rapaz. Não é fácil trabalhar assim, sob tantos olhares. Bom, lavou - usou bastante Ace, por sinal, ao deixar de molho e, depois, passou um pouco de sabão amarelo pras manchas mais poderosas. Ora, garanto que nenhum dos Ulisses ou o Sr. De La Mancha superaram tamanho desafio para seu ego. Bom, enxaguadas as roupas. Uma a uma. A água corrente percorria sem dó, tirando as inumeras camadas de sabão. Exagero de britânico? Não, não somos exagerados. Deixe isso para os italianos. Ou para os judeus.

Seria vergonhoso dizer que foi difícil? Conviver com tantas e tantos personagens e, finalmente, dizer que a aventura que mais me desafiou foi esse tanque? Vá em frente. Julgue. Mas posso, de fato, lhe dizer que nada mais irá me tirar a satisfação de ver aquel curry sair da minha gola rulê branca. Isso. Satisfação. Algo que nunca imaginei que fosse encontrar hoje... Pelo menos, não lavando roupa. Próximo passo? Fogão.


sábado, 28 de março de 2009

Dois personagens e o sonho



Quis fazer uma maratona comigo mesmo no sábado pela manhã, logo depois de acordar - fiquei com muita vontade de escrever. Gostei muito da experiência, me incentivou muito a prosseguir com algo que gosto bastante. Me dei cinco minutos para construir uma cena entre dois personagens, falando sobre um sonho.



Você: Comigo? Por quê?

Eu: Não sei. A gente não escolhe esse tipo de coisa.

Você: Inconsciente? Se escolhe, sim.

Eu: Como? Me explica.


Sonho.

Eu Sonhado toca no cabelo de Você Sonhado. Estão num banco, num lugar indefinido, sem ninguém. A sala parece familiar, mas nunca estiveram ali juntos antes.

Você Sonhado: Posso te fazer uma pergunta?

Eu Sonhado sorri.

Você Sonhado: Você gosta... de mim?

Fim do Sonho.


Você
: Bom, os sonhos são sobre o que se quer...

Eu: (interrompe) ... o que se teme ou se teme querer...

Você: É.

Eu: Bom, logo que acordei, deu uma vontade de...


Sonho.


Eu Sonhado: (sorri esperançosamente) Isso é um problema?

Você Sonhado levanta a cabeça e olha pra Eu Sonhado, que muda para uma decepção em uma fração de segundos.

Eu Sonhado: Não devia ter feito isso. Sabia. Agora não tem mais...

Fim do Sonho.


Eu
: ... escrever.

Você: É?

Eu: Esse tipo de coisa não acontece todo dia.

Você: Sonhar comigo?

Eu: Não... escrever.

Você demora para compreender as entrelinhas. Quando o faz, sorri. Ambos se entreolham, desviando timidamente o olhar em alguns momentos, silenciosamente.


(Terminou o tempo)

sexta-feira, 27 de março de 2009

"Invisível"


Recriação de um texto-exercício realizado anteriormente em grupo - Christiana, Franklin, Laura e Márcio - para o curso Dramaturgia - Na Fronteira das Linguagens. O coordenador Luiz Felipe Botelho pediu que recriássemos o texto do grupo à nossa maneira. Eis o resultado.



Novembro de 2008




Som de televisão fora do ar. Na sala, uma almofada, onde Laura está sentada com as pernas cruzadas, lendo um livro. Em frente a ambos, uma televisão.

LIVRO (OFF): (música romântica ao fundo) “Será que há limites para esse nosso amor? A responsabilidade? O teu erro? Não, esse é o motivo de querer sentir tanto o teu calor. Simplesmente aconteceu. Eu te prezo por seres tão natural e errado...”

Laura sorri, encantada, e passa mais algumas páginas. Lê e reage às palavras que está lendo.

LIVRO (OFF): (música de aventura) “Touché! Ah, pode esquecer, amigo! Eu nunca vou desistir! Os santos estão a me cercar nesse momento! Essa sua presença de espírito me comove.. Hahahaha! Nunca deixe...”

Laura fecha o livro e o abraça, sorrindo sutilmente. Começa a acariciá-lo, cheirá-lo, a sentir as páginas com as mãos. Deita no chão com ele no colo.

LIVRO (OFF): (ambiência de rua, com música suave) “Desculpe, estou meio indisposto hoje, mas confesso que gostaria de estar ao seu lado... pra simplesmente compartilharmos um a presença do outro, sem nada fazer. Simplesmente pra sentir o tempo passar...E quem sabe, possamos viver uma história...”

Laura sorri mais ainda. Aos poucos, o barulho da televisão começa a interferir na música anterior. O chiados começam dar lugar a sons nítidos de uma troca de canal na televisão.

TV (OFF): Boa noite a todos. Está começando mais um Programa de Cultura. Nessa noite, temos aqui no nosso estúdio o escritor Eric Santana, autor do livro “Invisível”. (Som de aplausos)

Laura se levanta, feliz, olhando para o livro e abraçando-o ainda mais. Começa a prestar atenção no que é dito com ansiedade.

TV (OFF): Bom, Eric, gostaria de começar olhe parabenizando pelo enorme sucesso do seu livro.

ERIC (OFF): Ah, obrigado. É uma grande honra pra mim poder ter esse sucesso todo. Agradeço a todos os que tiveram a oportunidade de comprar o livro.

Laura olha pro livro e sorri sutilmente.

TV (OFF): Bom, mas de onde veio a idéia desse livro, Eric?

ERIC (OFF): Ora, eu quis trazer um pouco mais de amor a esse mundo pós-moderno, minha gente. A gente tem aprender a ser mais verdadeiro quando está nesse...

TV (OFF): Mas, só uma pergunta, Eric: nós soubemos de última hora que você está sofrendo uma acusação de plágio por um...

ERIC (OFF): Essa é uma notícia sem confirm...

Laura olha, decepcionada, para o livro.

Música de mistério.

LIVRO (OFF): (música de mistério) “O que você pensa em fazer? Acha que é isso mesmo que vai acontecer? Que eu vou deixar todos esses meus demôniosm caminharem em direção a...”

Laura vai ficando cada vez mais desnorteada.

TV (OFF): (corta bruscamente) Não é isso que importa, Eric. Será que você não vê a gravid..”

ERIC (OFF): As idéias sempre vêm de algum lugar, minha gente. Shakespeare, Tolstoi, Homero. Se você pensar direi-“

LIVRO (OFF): Acredite no que eu lhe digo, meu bem. Não haverá de ser verdade tudo o que te dizem..Sabe, o que a gente tem é maior...”

ERIC (OFF): “Eu só cato os restos da criatividade alheia...”

LIVRO (OFF): “Nossa vida está sendo exposta. O nosso encanto não é mais o mesmo. Nossos olhares, nossos toques não são...”

Laura se ajoelha no chão, apertando os olhos bem forte, como se isso fosse fazer com que tudo fosse sumir. Uma de suas mãos quer jogar o livro fora, a outra quer ficar mais com ele.

ERIC (OFF): “Plágio? Que me importa? Falem que...’

LIVRO (OFF): “Nosso amor será sempre...”

ERIC (OFF): “Dinheiro representa..”

LIVRO (OFF): “Nosso respeito vale...”

ERIC (OFF): “Sucesso! E isso..”

LIVRO (OFF): “Viverá”

ERIC (OFF): “É por isso que...”

LIVRO (OFF): “Não importa..”

ERIC (OFF): “Trabal...”

LIVRO (OFF): “Aconteceu!”

Laura grita ao jogar o livro na televisão. Chiado de televisão fora do ar. As luzes se pagam lentamente, com Laura em estado de choque.

"Eu não posso fazer o que você me pede!"



Exercício de Construção Dramatúrgica em 10 minutos. Atividade integrante do Grupo de Estudos de Dramaturgia da Fundação Joaquim Nabuco. As regras eram: Dois personagens: um, humano; outro, imaginário. Frase inicial: "Eu nãoposso fazer o que você me pede."



25/03/09


Sérgio: Eu não posso fazer o que você me pede.

Céu: Não poder... Não poder é não ser.

Sérgio: Ser?

Céu: Isso é essencial... Quando podemos, temos essa sensação. Não de simplesmente estar. Mas de ser.

Sérgio: E você acha que eu quero ser?

Céu: Não há nada que o impeça.

Sérgio: Não... Quem disse que é isso que eu quero ser?

Silêncio. Céu olha firme para Sérgio.

Céu: Você aprendeu a ter escolha?

Sérgio dá de ombros.

Sérgio: Não todos?

Céu: Essa queda fez isso?

Sérgio: Talvez.. (pausa) Caindo ainda...

Céu: Você caiu?

Sérgio: Parece que algo mais está caindo aqui.

Pausa.

Céu: Eu?

Sérgio: Você me diz.

Céu: Pra toda queda, há um levantar?

Sérgio: Não.

Céu: Um mudar?

Sérgio: Já mudou? Você aprende rápido.

Céu: Tenho outros olhos.

Sérgio: Precisei viver a vida toda pra ver isso...

Céu: E?

Sérgio: E você já nasce pronto pra cair?

Céu: Não. Pra mudar.

Silêncio.

Sérgio: E por que preciso de tantas perguntas pra encontrar...

Céu: (interrompe) Uma resposta? E quem disse que eu encontrei?

Silêncio.

Céu: Estou à procura de mais perguntas.

Sérgio: Eu também.

Céu: E qual a sua pergunta agora?

Sérgio: "O que eu quero ser?"

Céu: Bom começo.

Sérgio: E agora?

Céu: Segunda pergunta. A partir daí...

Sérgio: Eu tenho de fazer o que você quer?

Céu: Não... Mas o que VOCÊ quer. É isso que eu estou pedindo.

(
Terminou o tempo)