quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Primeira



And she has broken the glass
. Era assim que o Times podia ter noticiado o fato. Mas não podia. Proibido. Quem podia questionar ou dizer o contrário? Não, não pense em totalitários. Só gostavam demais de suas criaturas. Eles fizeram sua prole se perder em si mesma, desconhecer as possibilidades que LáFora trazia. Ela, como todos os outros, convivia com aquela parede, mesmo transparente. Nasceu e acompanhou seu brilho por quase três décadas. Os números talvez não lhe importem tanto. Ela os desconhece, assim como qualquer sinal, letra ou ponto. Cobaia da irracionalidade.

Grunhidos. Era o que alguém poderia ouvir naquele instante. Se existisse alguém para lhe ouvir. As suas mãos furiosas tentavam, sem sucesso, cavar e cavar. Não tinha vaidade. Sujava-se toda. Seu único objetivo: ir. Os paus e pedras de nada adiantavam. Quebraram. Ela não conseguia. Nem seu choro era facilmente suportável. Ou talvez principalmente ele. Como um martelo trovejante. Assim eram suas dores de cabeça. Não por doença ou abalos sísmicos mentais. Mas pela expansão de seu universo. Ao ver seu reflexo translúcido na parede, ela percebeu que havia muito mais em LáFora.

Desse jeito, os homens viram que um único ser gostaria de sair do lugar, por mais seguro que parecesse. Não podiam deixar que acontecesse com nenhum outro. Não podiam deixar que ninguém soubesse. Toda e qualquer midia estava exclusa do lugar. Todos voltaram à barbárie. Quem era ela? A primeira. A tentar chegar à alguma civilização. Morreu. Não pelas mãos daqueles que queriam estabelecer a ordem. Mas pela infintude de possibilidades que a vida lhe oferecia. Quando o percebeu, signou-se de felicidade... ou de angústia, por perceber que nada do que havia vivido era verdade.

Os pêlos que cercavam seu corpo se eriçavam em todo tempo que pensava. Seus urros não ultrapassavam a grossura do vidro. Ninguém a ouviria. Nem os golpes que desferiu na tentativa de liberdade. Sufocada pela própria pretensão de ser...