domingo, 25 de novembro de 2012

Confissão

Acordou com aquela vontade imensa de falar. Não eram coisas boas. Era tudo aquilo que hvai feito de ruim na sua vida. Começou a construir o palanque naquela mesma tarde. Sabe quando a pessoa tem uma decisão que não pode mais adiar? Pois é. Era o caso de Sérgio. Ele havia decidido naquela manhã que não ocultaria mais nada. Sabe como é, né? A gente sempre esconde algo de todos, mas quando dá por si, todo mundo tem algo a esconder.

E ele ouviu algo como James Earl Jones falando em sua mente: "If you build it, they will come"... E é sempre assim, não é? Seria como uma grande terapia em massa. Ele subiria no palanque, contaria tudo aquilo que o afligia durante anos e que considerava inconfessável até então. Comprou madeira, pregos, serrou tudo e construiu o palanque. 

(Tá ok. Levou três semanas de trabalho dia-noite-dia, os cinco primeiros caíram no chão e nem o sexto parecia muito firme, mas isso não importa, não é mesmo?)

Quando ele subiu naquele palco mínimo, não havia plateia, mas, mesmo assim, ele resolveu começar. A praça pouco lhe prestava atenção, mas, para ele, seria por pouco tempo. Começou:

Confissão #001 - Roubei uma bola de bexiga de uma loja de conveniências uma vez.

Silêncio. Sim, a cidade continuava seu funcionamento normal mesmo depois daquela assustadora revelação típica de novela das nove. Sérgio respirou fundo, desamassou o papel que trazia em suas mãos suadas e seguiu.

Confissão #002 - Já fui o outro.

Alguém para ouvir o que ele tinha a dizer. Nada como uma boa sacanagem para começar bem o dia. Seria possível que ele confessaria mais? Quem havia sido traído? Quem foi o traidor? Tudo isso instigava a curiosidade de quem havia parado naquele momento preciso. Sérgio deu um leve sorriso de satisfação, talvez até descontraído. Afinal, havia sido ouvido por alguém, ao mesmo tempo em que a culpa começava a se esvair do seu corpo. E seguiu confessando coisas inimagináveis: que havia traído seu namorado com o melhor amigo, que tinha negado uma esmola a um pedinte, que havia sonegado imposto e assim sucessivamente. E continuava somente aquela pessoa, ouvindo e prestando atenção ao que Sérgio dizia.

E ele finalmente percebeu que o que mais importava naquele instante não se as outras pessoas estavam ouvindo ou não o que ele dizia, mas que ele mesmo estava ouvindo.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

...


Havia falado o dia todo. Deu aula, falou à esposa como desejava seu almoço, cumprimentou o porteiro, imitava o Drácula para sua filha. De repente, começou a achar que era necessário estacionar por considerar cansativo toda essa movimentação. Estava cansado de ir sempre para frente sem olhar para trás. Seria possível deixar de lado essa inércia em que todos lhe conduziam?

Queria falar pouco naquele dia. Era sua apresentação final em sala de aula. Queria dar adeus àquela vida de comunicação. Ansiava pelo momento em que poderia terminar de falar, encerrar suas possibilidades de dizer o que pensava.

Depois de agradecer à garçonete por ter trazido seu café depois um jantar morno que havia pedido, se calou. E nunca mais falou qualquer palavra que fosse.