terça-feira, 20 de abril de 2010

Ares de Bonérgio



"Podem dormir!". Assim disse aquela voz que ouvíamos todas as noites. Olhei pra cima e vi as estrelas que nos cobriam. Seu brilho se distinguia cada dia mais, esquecendo de como um dia poderia ter sido eterna. Brilhava mais pra mim, que a enxergava e, talvez, pensasse nela como alguém, como viva. Os olhos alheios me esqueciam e pareciam adentrar seus sonhos sem nem pestanejar. Mas ela me instigava a cada segundo. Olhar e observar o que cada....

Entrei. Cheguei. Ares de bonérgio me cercam. Poeira estelar por dentro de meus pulmões. Flutua, menino, flutua. Ninguém mais te envolve em suas mões ou te prende pelos pés. Nem essa gravidade, tua adversária, te impedirá de alcançar o que teu coração anseia. Nunca mais humano. Esmaeci. Onde fico? Onde me fluo?

Voltei. Ainda estão ao meu lado os olhos alheios. Por um momento de devaneio, te conheci por dentro, estrela. Levo um pouco de ti comigo. "Podem acordar". E preparamo-nos para um outro dia de arado naquele gramado.



quarta-feira, 14 de abril de 2010

Lágrima de Deus



Ali mesmo ele chorou. Deixou sair dele algo que não queria. Que ironia. E pensar que algo que se expande de dentro dele estaria o aprisionando. Mas foi, sim. conversou com ela pelo chat e esqueceu que sua mãe estava no quarto ao lado. A porta trancada parecia distanciá-la de qualquer pensamento que o aproximasse de sua imagem imaculada.


Foi tão simples clicar na webcam e observá-la fazer de tudo diante dele. Assim como ele também o fez. Era daquilo que eram feitos os sonhos, pensou por um instante. Se tinha um momento que ele gostaria de eternizar na sua memória, seria aquele. Qualquer pudor que ele um dia pensou em ter se dissipou naqueles três minutos.

Num rompante momentâneo, encarou uma quarta dimensão, onde via a si mesmo entregar-se tão profundamente ao seu corredor da morte. A tensão entre o que via e os prazeres que sentia explodiu.

E, depois de encerrada sua jornada, chorou. Ali mesmo. Por que tinha a certeza de que permaneceria naquela prisão o restante de seus dias. Algoque Deus observou e O entristeceu profundamente.


terça-feira, 13 de abril de 2010

Baú de Aperreio



Queria lhe pedir, por obséquio, que você se retirasse. não, não pense que faço isso com todos, mas é que.. sabe... é complicado. Só não quero você zanzando por aqui, me conhecendo por dentro, ou, quem sabe, pensando sei-la-o-que de mim. Não quero ninguém metido a Freud tentando desintoxicar meus pensamentos. deixe que eu compro meus adesivos antipodreira que posso me curar sozinho. Essa é uma de minhas terapias: despojar tudo que vem de dentro nesse lugar. Nessa salinha minúscula onde cabe tudo o que me aperreia. Mentira, não é uma sala minúscula: é uma sala com portas enormes e medindo três vezes o Pacaembu, onde posso despejar litros e litros de desagrado. Lá, já protocolei tudo o que tem. Posso ler a lista pra tu, vê só. Pronto.


Lá, tem as manias do meu avô, que fica trancando a casa toda sem a menor necessidade e ainda fica checando - sempre cinco vezes - se os cadeados estão mesmo trancados. Também tem o jeito que meu primo escova os dentes, rodando e girando a escova duzentas vezes em cima do mesmo dente e cuspindo a água pra cima antes de jogar na pia. Não vou nem mencionar quando minha esposa me chama de bebê, nem quando meu chefe arqueia a sobrancelha pra dizer que tá desconfiado de mim.

Ah, nem me fale de quando meus amigos começam a falar de baseball por tempo suficiente pra me deixar irritado por não saber nada disso. Existe alguma coisa mais irritante? Sim, muitas outras, mas que não vou deixar você ver por que são minhas tá? E não julgue, seu metido a Jung! Pensa que não sei da sua vida? Que você todo dia acorda e toma banho? Que toda noite você dorme e escova os dentes? Eu sei, sim, viu? Agora, me aguarde, por que eu vou contar tudo! Basta você dar um deslize.